Cavalheiro edita “Pequena Sorte”: álbum de encontros e fragilidades

Cavalheiro

Share this post

Cavalheiro lançou “Pequena Sorte”, sétimo álbum que chega com o segundo single “Salvação”, tema gravado a meias com Graciela Coelho. O disco chega às plataformas digitais dois meses após a revelação de “D’El Rei”, em parceria com Marta Moreira, e marca uma viragem deliberada na forma como Cavalheiro encara a composição: menos centrada numa voz única, mais interessada em criar diálogos e espaços de partilha criativa.

“Pequena Sorte” celebra as coisas aparentemente insignificantes que acabam por pesar mais do que as grandes: conversas de circunstância que ficam na memória, encontros e momentos inesperados que mudam tudo e onde gestos banais que se revelam decisivos. “O melhor do mundo são as pessoas”, diz Cavalheiro (Tiago Ferreira) sem floreados nem metáforas rebuscadas. Fica o vídeo de “Salvação” em baixo:

Cada voz altera o centro de gravidade

“Gosto da ideia de escrever canções para outras pessoas, de as ouvir cantar coisas que escrevi. Neste disco explorei mais isso. Se calhar, no futuro farei quase só isso”, explica Cavalheiro.

Em “Salvação”, Graciela Coelho é retrato disso mesmo. Faz parte intrínseca do esqueleto da canção, espelhando esta nova filosofia de Cavalheiro. O mesmo aconteceu em D’El Rei, onde Marta Moreira se torna ponto central e essencial do tema. Este trabalho conta ainda com a presença de vários convidados (podes ver nos créditos em baixo), enriquecendo assim a paleta sonora de “Pequena Sorte”, e onde cada presença transforma as canções desde a raiz, elevando-as para sítios onde sozinhas não chegariam.

“É nas pessoas, no amor e nos laços que se encontra o que verdadeiramente importa”, diz Cavalheiro. A frase atravessa o álbum e explica as escolhas que o estruturam.

Dança Macabra “abre o álbum numa toada que nos remete ao disco/funk, mas que rapidamente se transforma num tema de rock musculado em “Pós”, o segundo tema do disco. Esta variedade de registos leva-nos logo a perceber onde estamos: nenhum tema é igual, nenhuma linha que coze este álbum é perfeitamente hermética. “Meu Alvor” é um tema que nos leva a vários ingredientes dentro da mesma receita, começando com uma parte rock arejada e confessional onde se ouve “O meu Deus é o teu amor” mas que culmina numa parte instrumental que complementa bastante bem toda a construção anterior.

“Depois do depois” e “Guerra Perdida”, temas com instrumentais bem trabalhados, trazem-nos ambientes e teclas a preencherem os espaços em branco deixados pela guitarra, onde se intercalam versos mais espaçados e refrões carregados que culminam no auge final.

Cavalheiro assume Harry Nilsson, The Horrors e Frédéric Chopin como pontos cardeais. A combinação deixa-nos a pensar mas depressa faz sentido. De Nilsson ouvimos melodias que parecem simples mas escondem complexidade, dos The Horrors vieram as atmosferas carregadas e texturas espessas. Por fim, Chopin ofereceu rigor harmónico e uma riqueza/progressão na construção que muitas vezes não existe em rock de estruturas mais simplificadas.

Estas referências explicam porquê “Pequena Sorte” foge a gavetas. O disco vive em zonas indefinidas onde o rock alternativo se cruza com elementos eletrónicos, onde a canção de autor bate de frente com ambições maiores. Tudo isto resulta de alguém que ouve tudo sem preconceitos e deixa que essas influências sedimentem naturalmente, abrindo o seu processo criativo a outros participantes.

Cavalheiro, capa do álbum "Pequena Sorte"
Cavalheiro, capa do álbum “Pequena Sorte”

Alinhamento de “Pequena Sorte” de Cavalheiro:

  1. Dança Macabra
  2. Pós
  3. Meu Alvor
  4. Depois do Depois
  5. D’El Rei
  6. Salvação
  7. Guerra Perdida

Créditos “Pequena Sorte”:

Músicas e letras escritas por Tiago Ferreira, exceto “D-El Rei” (letra de Marta Moreira e Tiago Ferreira) e “Guerra Perdida” (letra de José Pedro Vinagre). Álbum produzido por Vítor Hugo Barros e Tiago Ferreira. Gravado, misturado e masterizado por Vítor Hugo Barros. Fotografia e arranjos gráficos por Zé Pedro Guimarães.

Participações: André Simão (baixo), Gil Amado (bateria), Graciela Coelho (voz), João Costeira (bateria), José Pedro Vinagre (voz e baixo), M. Cibrão (baixo), Marta Moreira (voz), Sérgio Freitas (piano), Tiago Ferreira (baixo, guitarras acústica e elétrica, voz, sintetizador e percussão) e Vítor Hugo Barros (baixo, guitarras acústica e elétrica, sintetizador).

Braga, discos e melancolia

Tiago Ferreira arrancou o projecto Cavalheiro em 2009, com um EP que lhe abriu caminho fora dos circuitos habituais. Porto deu-lhe o código postal de nascimento, Santo Tirso criou-o e Braga fixou-o. Por lá gravou “Primeiro” (2010), “Farsas” (2011), “Ritmo Cruzeiro” (2012), “Trégua” (2013), “Mar Morto” (2015), “Falsa Fé” (2018) e “Ilha Digital” (2021), discos que antecedem “Pequena Sorte”.

Os primeiros trabalhos respiravam a rock mais crú, com riffs mais directos e onde a voz aparecia sem adornos. “Ilha Digital” trouxe uma presença quase constante de sintetizadores e texturas eletrónicas, ambientes frios para falar de isolamento digital, que culminam agora na riqueza sonora de “Pequena Sorte”, onde Cavalheiro reúne todas as pequenas lições aprendidas nos álbuns anteriores, e acrescentando as participações extra que realmente fazem a diferença. O processo criativo é sempre melhor quando partilhado.

Fora do Rebanho

Quinze anos depois do primeiro EP, Cavalheiro mostra que evolução não se mede apenas em mudanças de sonoridade, mas na capacidade de repensar métodos, abrir mão de certezas e deixando o seu jardim musical ser regado por outras pessoas. Esta “falta de uniformidade” que Cavalheiro assume como característica central pode desagradar a quem procura linhas retas em “Pequena Sorte”, mas que por nós é sempre bem vinda. E é precisamente aí que mora o interesse do disco: em vez de uma perspetiva única sobre as relações contemporâneas, temos várias lentes, vários ângulos, várias entradas possíveis, sem cair em nenhuma armadilha ou dar um passo em falso.

O álbum “Pequena Sorte” já está nas plataformas digitais e confirma a singularidade de um projeto que nunca precisou de berrar para se fazer notar. Aqui damos e recebemos de volta aquilo que o título promete: o reconhecimento das coisas pequenas. Uma voz juntando-se a outra, uma melodia que se demora, um ritmo que se engrandece, ou um silêncio que diz tanto quanto palavras, tudo isto acaba sempre por pesar mais do que “gestos maiores”. Não percas, “Pequena Sorte” de Cavalheiro já está disponível!

Instagram: @cavalheiro_musica

Queres ver mais notícias sobre música portuguesa? Carrega aqui! Se estás interessado em concertos ou festivais, dá uma vista de olhos no Calendário de Concertos e Festivais.

Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro é o fundador do musica.com.pt. Como músico e produtor conta com mais de 25 anos de experiência no mundo da música, tendo participado em projetos como Peeeedro, Moullinex, MAU, entre outros, e tocando em venues como Lux, Maus Hábitos, Plano B, Culturgest, Glasgow School of Arts, entre muitas outras salas e locais em Portugal e no estrangeiro. Compôs música para teatro (Jorge Fraga, Graeme Pulleyn, Teatro Viriato), dança contemporânea (Romulus Neagu, Peter Michael Dietz, Patrick Murys, Teatro Viriato), TV (RTP2) e várias rádios.