Pullmao estreiam-se com “De Camino al Mar” e ficam fora do Spotify por questões éticas

Pedro Galhoz lança Pullmao, projeto instrumental que marca uma viragem na sua carreira. O single de estreia “De Camino al Mar” já está disponível em plataformas digitais, mas a banda tomou uma decisão pouco comum: não estar no Spotify. A razão prende-se com o posicionamento do CEO da plataforma relativamente ao financiamento de conflitos armados, uma contradição demasiado grande para um projeto que se assume como promotor da paz. Fica o video para “De Camino Al Mar” em baixo.

Um convite à introspecção através do som

Fecha os olhos. Respira. Respira fundo, respira bem fundo. Descontrai e deixa o tempo parar. Do deserto até ao mar, encontramos a nossa paz. A música é parte da nossa terapia.” É com estas palavras que os Pullmao definem a essência do que propõem: uma experiência sensorial que obriga a parar e a sentir.

“De Camino al Mar” é uma narrativa sonora que convida quem escuta a embarcar numa viagem por climas áridos do faroeste, até nos entregar a salvação junto ao mar. A faixa ambiental com groove combina elementos aparentemente distantes: o funk místico de Prince, o rock com sabor a jazz dos Morphine, a bateria e ritmos de Soul Coughing e guitarras que remetem para os Pink Floyd ou o universo western spaghetti de Enio Morricone. Esta fusão resulta numa sonoridade singular, difícil de catalogar, mas impossível de ignorar.

Entre o deserto e o oceano: a construção de uma paisagem sonora

O arranque do tema é cinematográfico. Um coro solene que tanto pode evocar um western spaghetti como a cadência ritmada de um campo de algodão estabelece o tom. Depois, entra o groove hipnótico criado pela bateria de Nico Guedes, elemento fundamental na construção desta jornada.

Pullmao, capa de "De Camino al Mar".
Pullmao, capa de “De Camino al Mar”.

As guitarras de Pedro Galhoz entrelaçam-se com o saxofone barítono de Francisco Menezes, enquanto sintetizadores discretos fundem ritmo e melodia sem protagonismo excessivo. O resultado é uma textura densa mas respirável, que permite a quem escuta preencher os espaços com a própria imaginação.

Pedro Galhoz descreve “De Camino al Mar” como a banda sonora de uma caminhada por um deserto imaginário. Há qualquer coisa de libertador nesta proposta: a música não impõe, sugere. Não acelera, desacelera. Num mundo saturado de estímulos constantes, a abordagem dos Pullmao parece quase subversiva e o background perfeito para a correria do dia-a-dia.

O posicionamento ético que define o projeto

A ausência do Spotify é uma posição assumida publicamente pela banda, que não pretende integrar uma plataforma cujo responsável máximo está associado ao financiamento de guerras. Para Pedro Galhoz e Nico Guedes, trata-se de coerência: não faz sentido promover a paz através da música e simultaneamente alimentar um sistema que contradiz essa mensagem.

Não podemos fingir que não sabemos, pois é um facto tornado público e queremos acima de tudo estar bem com a nossa consciência.” afirmam Pedro Galhoz e Nico Guedes, acrescentando que “queremos estabelecer uma política de proximidade com quem nos escuta, queremos conhecer quem está do outro lado e para isso apostamos em plataformas mais pessoais em que a relação com quem nos escuta é mais direta como é o caso do Bandcamp ou Soundcloud.

E garantem que, caso surjam provas semelhantes sobre outras plataformas, tomarão idêntica decisão. Esta atitude coloca os Pullmao numa posição desconfortável mas consciente (e louvável), preferem a proximidade com o público e a tranquilidade de consciência ao alcance massificado que o Spotify poderia proporcionar.

A banda aposta em plataformas como Bandcamp e Soundcloud, onde a relação com quem escuta é mais direta. Recusam ser escravos do algoritmo e defendem que a sua música deve ser contemplada, não consumida de forma automática. Aceitam o erro e a imperfeição como expressão artística, valorizando a humanidade acima da perfeição técnica. Podes ler o manifesto dos Pullmao em baixo.

Pullmao, Pedro Galhoz e Nico Guedes. Créditos Fotografia: Kika de Codda
Pullmao, Pedro Galhoz e Nico Guedes. Créditos Fotografia: Kika de Codda

Manifesto / Posicionamento Pullmao em relação ao Spotify

“Sim, estamos fora do Spotify. 

A nossa música promove a paz, e não podemos fazer parte duma plataforma em que o seu CEO financia guerra. Não podemos fingir que não sabemos, pois é um facto tornado público e queremos acima de tudo estar bem com a nossa consciência. Se for provado o mesmo de outras plataformas, tomaremos seguramente a mesma posição.

Existem muitas formas de acesso à música que fazemos, mas acima de tudo queremos estabelecer uma política de proximidade com quem nos escuta, queremos conhecer quem 
está do outro lado e para isso apostamos em plataformas mais pessoais em que a relação com quem nos escuta é mais direta como é o caso do Bandcamp ou Soundcloud. 

Não queremos dizer com isto que vamos estar fora do algoritmo, pois estaremos noutras plataformas, quero dizer apenas que não seremos ser escravos dele. A música de Pullmao é para ser contemplada, aceitamos o erro e a imperfeição como forma artística, preferimos o experimentar ao consumir sem questionar, preferimos o desconhecido à decoração perfecionista, pois somos orgulhosamente humanos. 

A arte sempre foi uma forma de resistência e estamos aqui para respirar e resistir. “

Pedro Galhoz / Nico Guedes

Pedro Galhoz explora novo território criativo

Conhecido pelo trabalho na agência musical Luckyman Music e pela participação em projetos como Pedro e os Lobos, Plástica e LovedStone, Pedro Galhoz encontra nos Pullmao um espaço de experimentação. Pela primeira vez, arrisca-se no instrumental, mantendo-se fiel às guitarras, à música psicadélica e aos ambientes cinemáticos que sempre o fascinaram.

Para esta estreia, contou com a colaboração de Nico Guedes, responsável por todas as baterias e percussões, e de Francisco Menezes no saxofone barítono. A gravação envolveu João Martins e decorreu em colaboração com os próprios músicos. A mistura ficou a cargo de João Martins no estúdio Ponto Zurca, e a masterização foi realizada por Rui Dias no Mr. Master. A arte gráfica é assinada por Miguel Fonseca.

Resistir através da arte

No manifesto do projeto, os Pullmao deixam claro que encaram a arte como resistência. Respirar e resistir são os dois verbos que orientam a sua abordagem. Num panorama musical cada vez mais padronizado, onde o sucesso se mede em streams e a criatividade muitas vezes se dobra aos caprichos dos algoritmos, esta banda propõe algo diferente mas que faz bastante sentido nos dias que correm: A aposta na contemplação em vez do consumo irreflexivo, no desconhecido em vez da fórmula segura, no experimentalismo em vez da perfeição decorativa, da proximidade em vez do algoritmo.

Somos orgulhosamente humanos“, afirmam, reivindicando o direito ao erro e à imperfeição como parte integrante do processo criativo. “De Camino al Mar” é também uma declaração de princípios. Os Pullmao chegam com uma proposta que desafia as convenções do mercado musical, privilegiando a autenticidade e a coerência acima da visibilidade fácil. Resta saber se o público está disponível para embarcar nesta viagem, mas queremos acreditar que sim. Não te esqueças de apoiar os Pullmao nas suas redes sociais em baixo!

Bandcamp: pullmao.bandcamp.com | Soundcloud: pullmao-music | Instagram: @pullmao_music | Facebook: Carregar aqui

Queres ver mais notícias sobre música portuguesa? Carrega aqui!  Se estás interessado em concertos ou festivais, dá uma vista de olhos no Calendário de Concertos e Festivais.

Pedro Ribeiro
Escrito por

Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro é o fundador do musica.com.pt. Como músico e produtor conta com mais de 25 anos de experiência no mundo da música, tendo participado em projetos como Peeeedro, Moullinex, MAU, entre outros, e tocando em venues como Lux, Maus Hábitos, Plano B, Culturgest, Glasgow School of Arts, entre muitas outras salas e locais em Portugal e no estrangeiro. Compôs música para teatro (Jorge Fraga, Graeme Pulleyn, Teatro Viriato), dança contemporânea (Romulus Neagu, Peter Michael Dietz, Patrick Murys, Teatro Viriato), TV (RTP2) e várias rádios.