João Teotónio apresenta esta sexta-feira, 24 de outubro, “WIRED“, o seu segundo álbum a solo. A apenas um ano de distância do minimal acústico de “Into the White“, o músico lisboeta mergulha agora numa sonoridade eletrificada, onde o desassossego e a inquietude ganham forma através de paisagens brutalistas e texturas lo-fi.
O contraste surge de forma deliberada. Onde o anterior procurava o vazio e a contenção, João Teotónio aposta na energia e na experimentação em “WIRED”. As composições revelam uma faceta mais obscura, trabalhada com uma produção que abraça intencionalmente a imperfeição e a aspereza. Os primeiros sinais de “WIRED” chegaram ainda durante o verão. “Underground“, lançado em junho, e “Night Crawling“, apresentado em agosto, funcionaram como introdução ao universo mais denso e experimental do álbum. Fica em baixo o teaser/trailer do álbum.
Dissecando Wired
“Underground”, primeiro single a ser conhecido de “WIRED” abre o álbum com energia e urgência. A batida e o baixo funcionam como motor que puxa o tema do princípio ao fim, a guitarra distorcida adiciona a urgência necessária para a voz, em contraponto, se colocar num registo pausado, mas presente q.b. A tensão mantém-se até ao final do tema, e se a analogia ajudar para descrever a paisagem sonora, pensem em Joy Division com laivos de Sonic Youth e The Strokes (assim bem no início de carreira). Fica “Underground” em baixo para ouvirem.
“War Pill” (com Filipe Ferreira na bateria) aprofunda o terreno e é o seguimento perfeito a “Underground“, levando-nos para territórios que remetem completamente para sonoridades alt/noise rock sem chegar a extremos de experimentalismo desnecessário para este registo. Segue-se “Night Crawling” (o segundo single a ser antecipado), que se apresenta como um dos momentos mais imediatos do disco. O ritmo infeccioso de Filipe Ferreira pede movimento corporal, com guitarras à desgarrada e o o trompete de João L. Costa a aparecer em momentos chave. Há momentos em que o trompete se dobra em camadas e a coisa adensa-se, ficando tudo mais especial. Sem dúvida, música ideal para deambulações noturnas à procura da confusão perfeita.
“(You Won’t Be You)” destaca-se pela forma como se constrói e quebra com os temas anteriores. A bateria com sonoridade assumidamente electrónica em loop marca o compasso, enquanto um órgão cria atmosfera e nos leva ao mesmo deserto onde porventura Ray Manzarek se terá perdido algumas vezes. Somos acompanhados pelo saxofone de Bernard Loopkin nesta nossa caminhada, e onde a voz de João Teotónio serve de drone e cântico imperceptível. No fundo uma faixa instrumental sem o ser. Um interlúdio antes de voltarmos à carga electrica que caracteriza “WIRED” no seu todo.
“Never Ends” leva-nos de volta à estrada depois do deserto. O baixo, a bateria e um coro de vozes criam a fundação sonora para a guitarra e linha vocal de João Teotónio se revelar. É um tema curto (cerca de 2min), mas com um refrão forte e directo que tem todo o potencial para sing-alongs em concerto. Chega “September “, que se constrói em volta de um loop de bateria e de riffs de guitarra que seguram a tensão e vão crescendo, até que descarregam completamente no refrão.

“Pins” surge como o que parece ser o tema mais confessional até aqui, com cadência mais lenta e várias camadas de guitarra (incluindo acústica) a criarem textura. A bateria de Filipe Ferreira pontua atrás, discreta mas essencial. Os momentos iniciais de “The Past” lembra-nos Velvet Underground, mas rapidamente o tema ganha contornos próprios. A voz rouca e trôpega, acompanhada de órgãos discretos e coros subtis, lembra ocasionalmente Leonard Cohen nos momentos mais despojados.
“The Party “ destaca-se por ser talvez a faixa mais inesperada do conjunto. Num cerimonial festivo à “From Dusk Till Dawn“, esta festa não vai acabar bem. Sem guitarras, aposta em sintetizadores épicos e bateria electrónica, com um baixo acústico a fazer a cama rítmica que é preenchida pontualmente pela voz de João Teotónio. No final, a voz vai revelando um pedido de ajuda, até terminar num último suspiro de “mayday”, deixando apenas windchimes a soar. É um final cinematográfico que pisca o olho e antecede ao desfecho.
A faixa-título “WIRED” leva-nos de volta aos 220V já com uma toada de final e despedida. O tema transforma-se de central eléctrica em porto seguro e João Teotónio deixa-nos à porta de casa, certificando-se que entramos em segurança depois de uma viagem intensa.
Tracklist “Wired”, de João Teotónio:
- Underground
- War Pill
- Night Crawling
- (You won’t be you)
- Never Ends
- September
- Pins
- The Past
- The Party
- Wired
Dois álbuns escritos em simultâneo
“WIRED” nasceu ao mesmo tempo que “Into the White“. João Teotónio percebeu desde cedo que estava perante dois conjuntos distintos de material. A decisão de separar os temas permitiu que cada álbum respirasse dentro da sua própria atmosfera: um explora a intimidade da voz e da guitarra acústica, “WIRED” convida a uma viagem mais intensa, pontuada por momentos sombrios mas também por passagens introspectivas.
Gravado no estúdio pessoal de João Teotónio, “WIRED” resulta de um processo paciente e solitário. João Teotónio tocou e registou a maioria dos instrumentos, esculpindo cada melodia e ritmo com tempo e atenção. Esta abordagem artesanal marca toda a sonoridade do álbum, que foi posteriormente misturado e masterizado por Eduardo Vinhas nos Golden Pony, parceiro habitual e responsável por outros trabalhos do autor.

A produção de Eduardo Vinhas acerta no equilíbrio entre o cru e o polido. Há espaço para distorções calculadas, para guitarras que arranham sem perder definição, para uma voz tratada com efeitos que nunca caem no exagero. O tom das guitarras e restantes instrumentos está no ponto certo, distorcido o suficiente para criar tensão, limpo o suficiente para não se perder em ruído gratuito. A voz ganha camadas e texturas ao longo do disco, sempre com um toque edgy mas sem forçar.
Apesar do carácter maioritariamente individual da gravação, o disco conta com três colaborações significativas. Bernard Loopkin, dos Beautify Junkyards, contribui com saxofone; Filipe Ferreira, dos Goodbye ÖLGA, entra na bateria; e João L. Costa, também dos ÖLGA, acrescenta trompete. Estas presenças pontuais expandem a paleta sonora sem quebrar a coesão do trabalho.
João Teotónio: Carreira construída entre formações
A trajetória de João Teotónio na música portuguesa começou em 2001 e passou por várias formações. Como membro fundador dos ÖLGA, participou em álbuns marcantes como “Ö“ (2004), “What is” (2005) e “Pandora” (2012). Durante o hiato da banda, entre 2012 e 2022, dedicou-se ao indie folk através de dois projetos paralelos.
Os L Mantra, em duo com Madalena Palmeirim, exploraram uma vertente intimista em dois álbuns (L Mantra, 2017 e Start Over Again, 2018). Já os Yu John, com João Hipólito, apostaram numa sonoridade mais alternativa e psicadélica (“Yu John“, 2016). O regresso dos ÖLGA materializou-se em 2022 com o álbum duplo “Goodbye ÖLGA“, que celebrou os 20 anos do projeto revisitando o rock alternativo com influências pós-punk.
Hoje podemos dormir descansados
A capa de “WIRED”, assinada por Gonçalo Viana, dialoga com a frieza e o brutalismo sonoro que atravessa as faixas. O próprio título, “WIRED“, sugere conexão, tensão, electricidade. Há uma atmosfera urbana e contemporânea que permeia todo o trabalho, descrito pelo próprio João Teotónio como “desassossego e inquietude ressonantes com o presente, austero e frio“.
“WIRED” confirma João Teotónio como um músico disposto a procurar novos caminhos sem receio de arriscar. Esta coerência entre som e imagem reforça a abordagem conceptual do disco. Não se trata apenas de um conjunto de canções, mas de uma experiência coesa e minunciosamente trabalhada, que pede atenção e disponibilidade para quem a quer percorrer, e que recompensa vezes e vezes sem conta.
“WIRED” de João Teotónio já está disponível em todas as plataformas digitais, e não podemos deixar de o RECOMENDAR. Em letras grandes e bold.
Bandcamp: joaoteotonio.bandcamp.com | Instagram: @joao_teotonio_
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