João P. Miranda encontrou na Serra de São Mamede o cenário perfeito para dar forma a MIRANDA, o seu projeto de Cinematic Pop que soa a banda sonora de um filme invisível. Entre o nevoeiro que se arrasta pelos pinheiros e o silêncio denso das montanhas alentejanas, o músico português construiu um universo e imaginário sonoro onde cada canção funciona como uma paisagem interior. Foi no isolamento daquela serra, algures entre a clareza que só a solidão traz e o peso de decisões antigas, que nasceu um projeto musical que toda a gente reconhece sem nunca ter visto ou ouvido.
“Un_Love”, o disco de estreia, chega às plataformas digitais e em edição física hoje a 17 de outubro pela Harmrecords. A versão física não é uma jewel case qualquer: cada CD vem embalado à mão em madeira e veludo, num trabalho artesanal feito pelo próprio MIRANDA. Fica o vídeo de “I Wish” em baixo, segundo single retirado do álbum “Un_Love”.
“Un_Love”: Um disco entre a perda e a persistência do amor
A pergunta que atravessa “Un_Love” não tem resposta fácil: será possível desamar alguém, ou apenas perdemos esse amor algures pelo caminho? MIRANDA não resolve a questão, mas deixa-a suspensa, como quem segura uma fotografia antiga sem saber bem se a deve guardar ou rasgar.
O álbum move-se nesse território instável. Há dor, claro, mas também há luz a entrar pelas fendas. A melancolia aqui não é derrotista. Funciona quase como um fado moderno, onde a saudade não apaga o sentimento, apenas o transforma e serve de antídoto. O amor persiste, mesmo quando já não devia. Fica na memória, nas rotinas, nas pequenas traições do quotidiano que nos fazem lembrar o que já não está lá.
Mas “Un_Love” não se resume ao luto amoroso. Há também a possibilidade do recomeço. A ideia de que podemos voltar a amar, talvez a mesma pessoa, talvez outra, e que a dor pode funcionar como catarse e ponto de partida, não de chegada.

“I Wish”: quando as palavras já não chegam
O segundo single de MIRANDA foi lançado hoje com a release do álbum e, “I Wish”, é talvez o momento mais cru de “Un_Love”. A canção fala de alguém que oferece tudo e recebe silêncio. De quem tece uma tapeçaria só para os pés de outra pessoa, como diz a letra, e vê esse gesto ignorado. É sobre o desejo de ser tocado, verdadeiramente tocado, e a frustração de perceber que o outro permanece fechado, inacessível.
A letra não poupa nas imagens: “Tu és uma tempestade fraca, à espera de rebentar.” Há qualquer coisa de desesperado nesse verso, mas também de esperançoso. Como se a pessoa ainda acreditasse que o outro pode acordar, explodir, tornar-se presença.
Liliana Bernardo canta “I Wish” com uma entrega total. A voz dela percorre registos graves e densos, quase sussurrados, antes de se elevar em agudos cheios de vulnerabilidade. Não é apenas técnica, é uma questão de estar completamente dentro da canção, do seu ambiente cinematográfico, e de a viver em vez de a interpretar.
Musicalmente, “I Wish” constrói-se em camadas. Há versos contidos, quase segredados, que abrem caminho para refrões grandiosos enquanto a Stratocaster afogada em Reverb mantém-se como fio condutor, criando atmosferas líquidas e suspensas. O Mellotron traz uma nostalgia analógica, com aquele timbre imperfeito que parece vir de uma memória que não sabemos se é nossa ou de outra pessoa. E depois há o Farfisa, um pianorgan italiano dos anos 60, que acrescenta uma textura intemporal, algo que podia ter sido gravado ontem ou há cinquenta anos.
“A New Beginning”: quando o recomeço é uma decisão política
Se “Un_Love” é um disco sobre a impossibilidade de desamar, “A New Beginning” (primeiro single do álbum lançado no final de Agosto) é o momento em que essa impossibilidade se transforma em arma. “A New Beginning” não pede licença para ser épico, assume-se como tal desde o primeiro acorde. MIRANDA construiu aqui uma canção que oscila entre o sussurro e o grito, entre a dúvida privada e a convicção pública.
Os versos chegam introspectivos, quase confessionais, mas quando os refrões explodem, a orquestração expande-se e percebemos que isto não é só sobre duas pessoas, mas sobre todos nós. A letra fala de amor que resiste, de união como ato de rebeldia, mas MIRANDA não se fica pela romantização.
“A New Beginning” funciona como espelho do mundo em 2025: guerras que não acabam, desigualdades que se aprofundam, sociedades fragmentadas. E mesmo assim insiste na possibilidade de recomeçar. Não é esperança cor-de-rosa, é esperança com os olhos bem abertos, de quem vê tudo à distância do seu isolamento voluntário na serra, num retiro que faria Zaratustra sentir-se em casa. Podes ver o vídeo em baixo.
Rita Rice entrega uma interpretação que equilibra fragilidade e força, uma performance que não se limita a cantar bem: comunica, obriga-nos a prestar atenção. Composta, gravada, misturada e masterizada por MIRANDA no Attack Release Studio, o seu retiro criativo entre ciprestes e pinheiros nórdicos, a canção conta também com um videoclipe realizado pelo próprio. “A New Beginning” não é apenas o primeiro single de “Un_Love”, é a declaração de intenções de um projeto que acredita que a beleza ainda pode ser uma forma de resistência.
MIRANDA: Três vozes para um universo solitário
MIRANDA é, em estúdio, um projeto de uma pessoa só. Mas João P. Miranda não quis cantar sozinho. Convidou três intérpretes para darem voz às canções, cada uma com a sua textura, a sua forma de habitar as palavras: Liliana Bernardo, conhecida como ilustradora mas aqui revelada como cantora de rara intensidade; Rita Rice, que já passou pelo The Voice Portugal e pelos palcos como corista de Bárbara Tinoco; e Cat Falcão, voz de projetos como Golden Slumbers e Monday. Cada voz traz algo de diferente, quase como-se cada uma abrisse uma porta distinta dentro do mesmo universo e álbum.
MIRANDA define-se como Cinematic Pop, e a etiqueta faz sentido. Há aqui uma grandiosidade que não é pomposa, uma orquestração que não perde a intimidade. As canções respiram como paisagens: amplas, mas nunca vazias. Miranda constrói imagens sem ecrã, universos inteiros dentro de três minutos e meio.
O projeto prova que a solidão pode ser produtiva. Que do isolamento pode nascer algo que, paradoxalmente, só ganha força quando se abre ao mundo. “Un_Love” é um disco feito sozinho, mas que precisa de ser ouvido acompanhado, nem que seja pela presença fantasmagórica de quem já não está.
O que Aí Vem
“Un_Love” não é um disco para ouvir de fundo enquanto se faz outra coisa qualquer. MIRANDA construiu algo que exige atenção total, o tipo de álbum que obriga a parar, a sentar, e a deixar o telefone de lado.
MIRANDA vai descer da montanha para os palcos (tal como Zaratustra regressou ao mundo) e dois concertos marcam essa transição: 16 de janeiro em Portalegre, no Centro de Artes e Espectáculos, e 17 de janeiro em Coimbra, no Salão Brazil. Para transpor ao vivo a densidade de “Un_Love”, o projeto expande-se: além das vocalistas convidadas, entram o baterista João Sousa, que já tocou com Raquel Tavares, Frankie Chavez e Lusitanian Ghosts, e o guitarrista e teclista Telmo Lopes. Juntos, recriam as camadas orquestrais e eletrónicas das gravações, transformando a intimidade do estúdio em experiência coletiva.
Na altura em que finalizámos este artigo, “Un_Love” ainda não estava disponível nas plataformas digitais do costume, mas podes – esperamos nós – entrar em contacto com MIRANDA através das suas redes sociais para garantir o CD com aquela edição em madeira e veludo que merece estar numa prateleira à vista. A não perder!
Instagram: @miranda____music | Facebook: @miranda.music.pt
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