Pedro Barreiros, o nome por detrás de Meiofim, acaba de disponibilizar dois singles que desafiam qualquer tentativa de catalogação simples: “Unda” e “Luscofo” chegam às plataformas digitais sem pedir licença, como provocações diretas a quem procura conforto nas fórmulas batidas. O território da experimentação sonora portuguesa ganha novo protagonista, e precisamos de aventureiros assim. Fica o video de “Luscofo” de Meiofim em baixo para abrir o apetite.
Samples como ponto de partida para o caos organizado
A estratégia de Meiofim passa por manipular sons de synths e samples de gravações caseiras até estes perderem a identidade original. O que começa como material reconhecível transforma-se rapidamente em textura, em camada, em glitches, em elementos rítmicos inesperados. Os destinos nunca estão traçados, as composições escorregam e desenvolvem-se sem pedir autorização, atravessando noise, ambient, experimental e industrial com a mesma naturalidade com que respiramos dificilmente depois de uma maratona.
Não há preocupação em agradar. As faixas podem soar cruas num momento, relaxantes no seguinte, inquietas sempre. A temperatura emocional muda sem aviso prévio, e essa instabilidade é precisamente o que torna este projeto relevante.
“Luscofo” e o relógio que não marca horas
Em “Luscofo”, o que parece ser um relógio estabelece a pulsação inicial. Mas depressa se percebe que aquele tic-tac serve apenas de âncora temporária. Um sintetizador entra em cena, camuflado, ruídos invadem o espaço, glitches interrompem a linearidade. A construção acontece por camadas que se acumulam e dissolvem, criando uma arquitectura sonora em permanente mutação.
O título, palavra que nos remeteu ao lusco-fusco, aquele território onde luz e sombra negociam espaço, funcionou para nós como metáfora perfeita para o que se ouve. Nada aqui é definitivo, tudo habita a zona de transição. Os elementos entram e saem sem protocolo, as modulações e filtros acontecem em tempo real, oscilando com autonomia própria.
“Unda” mergulha no industrial sem romantismos
Se “Luscofo” brinca com fragmentos e justaposições, “Unda” assume uma postura mais monolítica. A faixa constrói-se à volta de uma tarola inicial e fragmentos de vozes. Estes elementos dão lugar a um som-ruído central começa a ser esculpido, distorcido, expandido, sincopado. O ambiente remete para cenários industriais, mas sem as associações óbvias pois não há aqui nostalgia de fábricas abandonadas nem fetichização de maquinaria enferrujada.
O que existe é transformação contínua. O mesmo elemento sonoro marca o ritmo mas nunca permanece igual, sofre mutações que alteram a perceção da narrativa. Os elementos rítmicos mudam quando menos se espera, a saturação dos efeitos empurra os limites do confortável, os LFOs trabalham para garantir que nenhum padrão se estabeleça durante muito tempo.
Sobre Meiofim
Meiofim, ou Pedro Barreiros, cresceu em Aveiro, onde o despertar para o som aconteceu através de concertos, cassetes e sobretudo rádio. A biografia de Meiofim fala em “doença” agravada por doses de música, em tentativas de vida normal que fracassaram perante a necessidade de experimentar. As “poções” mencionadas, essas experiências sonoras que agora se libertam para o mundo, funcionam como estilhaços de uma identidade em construção e desconstrução permanente.
Há algo de visceral nesta proposta. Meiofim não se apresenta como projeto polido, pensado para multidões ou palcos prestigiados. É criatura esconjurada, coisa que se transforma sem pedir permissão, reflexo de quem não consegue encaixar nas estruturas convencionais.

Experimentação como resistência
Meiofim decide procurar ruído. A escolha não é inocente, é posicionamento estético e político simultaneamente. Recusar a fórmula significa aceitar a marginalidade, abdicar de certas facilidades, mas também garantir espaço para descoberta genuína.
Este tipo de som não é para toda a gente, mas é o tipo de som que serve de background para diversas instalações sonoras, exposições e performances de arte contemporânea, e que pode servir para banda sonora de filme incómodo – vem nos à cabeça o tema “Rectum” de Thomas Bangalter, usado no filme françês “Irréversible” de 2002.
Os vídeos que acompanham as faixas estendem essa lógica ao campo visual. Glitches, interferências, imagens que se desintegram e reconstroem, tudo participa da mesma investigação sobre instabilidade e transformação.
O carácter experimental de Meiofim não serve como desculpa para falta de rigor. Pelo contrário, as duas faixas disponíveis piscam o olho à entropia, demonstrando uma abertura ao caos, domínio técnico colocado ao serviço da surpresa. Os sons entram e saem sem pedir licença, mas cada entrada e saída parece calculada, cada acidente soa deliberado.
O início do Meiofim
As duas faixas de Meiofim, “Luscofo” e “Unda” estão disponíveis para audição no Youtube e Bandcamp, onde qualquer pessoa pode fazer a sua própria avaliação. Meiofim não precisa de intermediários para justificar as opções tomadas, a música defende-se sozinha, ou não se defende de todo. O projeto existe nessa zona de risco onde não há garantias, apenas possibilidades de encontro entre criador e ouvinte.
Para quem procura alternativas ao mainstream e se cansou das propostas que fingem ousadia, mas entregam mais do mesmo, estes dois singles oferecem porta de entrada para território menos mapeado. Pedro Barreiros construiu com Meiofim um espaço onde o ruído tem direito a existir sem justificações, onde a experimentação não serve apenas de verniz mas constitui a própria substância do trabalho. Como dissemos no princípio, precisamos de aventureiros assim. Não te esqueças de seguir Meiofim nas suas redes, ficam os links em baixo!
Bandcamp: @meiofim | Youtube: @Meiofim
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