O quarteto de Salvador BAGUM acaba de lançar o seu primeiro álbum de longa-duração, nove anos depois da formação. E não podia ter chegado em melhor altura.
BAGUM surge com uma linguagem própria que dialoga tanto com a tradição baiana quanto com sonoridades globais, sem soar forçado ou calculista. “Coração; Batalha; Celebração”, lançado a 29 de agosto, materializa essa alquimia de forma surpreendente.
O disco não se limita a ser apenas mais um trabalho instrumental, com as dez faixas a revelarem um amadurecimento que se sente desde os primeiros compassos, fruto de uma parceria consolidada através dos anos entre Pedro Leonelli (guitarra e produção), Gabriel Burgos (baixo), Pedro Tourinho (bateria) e Pedro Oliveira (teclados). Fica em baixo “Triunfo” (com Dr. Drumah), uma das nossas faixas favoritas do álbum.
Colaborações que fazem a diferença
A aposta nas colaborações foi certeira. Os Boogarins, vindos de Goiânia, trazem a pegada psicadélica, enquanto VANDAL e Fiteck acrescentam camadas de rap e soul que encaixam na perfeição. Jorge Dubman, do projeto Ifá Afrobeat, e Paulo DK dos Deekapz completam um leque de convidados que podia parecer desencontrado no papel, mas que resulta numa coesão inesperada.
O processo criativo reflete bem o espírito da banda. Com as baterias gravadas no Estúdio Rockambole, em São Paulo, e o restante captado em Salvador, entre o Carmo 44 dos irmãos Bori (Vivendo do Ócio), o Cremenow Studio de Tiago Simões e algumas gravações caseiras, o álbum respira autenticidade. Pedro Leonelli assumiu a mixagem e masterização, decisão que se revela acertada pela coerência sonora final.
Entre tradição e modernidade
Musicalmente, BAGUM navega entre territórios aparentemente distantes com uma naturalidade desconcertante. O funk carioca encontra-se com o afrobeat, a música electrónica abraça o novo jazz, e tudo isso sem perder o fio condutor que é, claramente, brasileiro. As referências aos Azymuth, BADBADNOTGOOD e Khruangbin são evidentes.
“Coração; Batalha; Celebração” funciona tanto como manifesto quanto como celebração. O título não é casual e resume bem os nove anos de trajetória do grupo, com todas as vitórias e derrotas que isso implica. Há aqui uma honestidade emocional que transcende o facto de ser um trabalho maioritariamente instrumental. As melodias carregam narrativas próprias, os grooves contam histórias, os silêncios falam.
A produção visual de Alice Paste merece destaque à parte. A artista baiana, atualmente residente em São Paulo, criou uma identidade gráfica que dialoga perfeitamente com a música: colorida, vibrante, mas sem exageros. O trabalho complementa-se com o apoio do Selo Portal, dos já mencionados irmãos Bori, garantindo uma distribuição que chegue aos ouvidos certos.

Uma trajetória consolidada
O concerto de lançamento, marcado para 4 de outubro no Sesc Pelourinho, promete ser mais do que uma simples apresentação. Com VANDAL, Livia Nery e Fiteck como convidados, a noite deve funcionar como uma celebração coletiva da cena alternativa baiana. A oficina de produção musical que Gabriel e Pedro Leonelli vão facultar nos dias seguintes (8 e 9 de outubro) revela outra faceta interessante do projeto: a vontade de partilhar conhecimento e estimular novos talentos.

BAGUM não surgiu do nada. Desde 2016 que vêm construindo uma reputação sólida, com cinco EPs no currículo e participações em festivais relevantes como o No Ar Coquetel Molotov, Radioca e Zona Mundi. As colaborações com nomes como Letieres Leite e Curumin mostraram já a versatilidade do grupo, enquanto a presença no Afropunk Bahia 2023 consolidou o reconhecimento da crítica especializada.
“Coração; Batalha; Celebração” chega num momento em que a música instrumental brasileira precisa de novas vozes e BAGUM conseguiu encontrar o seu lugar nesse panorama sem seguir fórmulas pré-definidas, criando algo genuinamente seu. O álbum funciona como uma ponte entre gerações e géneros, provando que ainda há muito território por explorar na intersecção entre tradição e modernidade.
Num tempo em que tantos artistas se perdem em revivalismos vazios ou experimentalismos estéreis, BAGUM encontrou o equilíbrio certo, e com pano para mangas e futura evolução. “Coração; Batalha; Celebração” não é apenas um bom disco instrumental, é também uma declaração de independência criativa que merece ser ouvida com atenção.
Instagram: @b.a.g.u.m
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