Há músicas que vencem festivais. E depois há músicas que vencem corações. “Deslocado”, dos NAPA, conseguiu as duas coisas. Foi a grande vencedora do Festival da Canção 2025 em Portugal, conquistou o primeiro lugar no Top Português de Singles antes mesmo de chegar à Eurovisão e, talvez mais importante, tocou num nervo que muitos portugueses conhecem bem: o de viver entre dois mundos.
Com raízes na Ilha da Madeira, os NAPA cantam o sentimento de estar longe de casa, num país que é o nosso, mas que por vezes nos faz sentir como estrangeiros dentro de portas. E fazem-no com uma sinceridade rara – sem dramatismo artificial, sem efeitos desnecessários. Apenas música, palavra e emoção crua.

De Men On The Couch a NAPA
Formados em 2013, inicialmente sob o nome Men On The Couch, os NAPA são feitos de estrada, de salas pequenas e do espírito DIY. Começaram a compor em inglês, fãs confessos de Red Hot Chili Peppers e The Beatles, e lançaram o primeiro álbum, Senso Comum, de forma independente. Em 2023, já com o nome atual, lançaram Logo Se Vê, um disco ambicioso que mostrou uma banda em crescimento – mais arriscada, mais orquestral, mais confiante.
Entre participações especiais, digressões esgotadas e até um filme-concerto no Teatro Maria Matos, os NAPA foram ganhando terreno – não a correr, mas a passo firme. Quando chegaram ao Festival da Canção, já tinham uma base sólida. E “Deslocado” foi o clímax de uma caminhada longa, coerente e fiel a uma identidade própria.
“Deslocado”
“Deslocado” é, desde a primeira nota, um convite à introspeção. Com uma sonoridade que evoca o pop rock dos anos 70, marcada por guitarras saturadas, bateria seca e baixo quente, o tema constrói-se aos poucos, como quem conta uma história ao ouvido. A voz de João Guilherme Gomes guia-nos por esse percurso com uma delicadeza que nunca se perde, mesmo nos momentos mais intensos.
Mas o detalhe que faz toda a diferença está nos bastidores: esta foi a primeira colaboração da banda com uma equipa técnica e criativa maioritariamente madeirense. E isso sente-se. A viola de arame, as flautas subtis, o naipe de cordas – tudo respira insularidade sem nunca cair no folclore forçado. É uma Madeira contemporânea, sofisticada e profundamente sentida.
Um sucesso antes da Eurovisão
Antes sequer de chegar ao palco da Eurovisão 2025, a canção já fazia história. Foi a primeira canção do Festival da Canção, desde “Amar Pelos Dois”, a liderar o Top de Singles. E foi também a primeira a alcançar o n.º 1 antes de vencer o próprio festival, acumulando mais de um milhão de streams antes de subir ao palco da grande final nacional.
Num país onde nem sempre o alternativo conquista o mainstream, os NAPA conseguiram fazer a ponte, talvez porque na sua música há verdade. E a verdade, às vezes, é a melodia mais difícil de afinar. Com a vitória no Festival da Canção, os NAPA levam agora “Deslocado” até à final da Eurovisão 2025 em Basileia, representando Portugal. Não será a canção mais óbvia. Não será a mais barulhenta. Mas é, seguramente, uma das mais autênticas.
“Deslocado” dos NAPA termina em 21.º lugar com 50 pontos
Portugal terminou a sua participação na 21.ª posição, com um total de 50 pontos, com a canção “Deslocado”, dos NAPA. No voto do júri, conseguiu 37 pontos, somando contributos do Azerbaijão (6), Países Baixos (7), Eslovénia (1), São Marino (6), Ucrânia (4), Chéquia (4), Albânia (1), Lituânia (6) e Suíça (2). Do televoto, chegaram apenas 13 pontos, o que manteve Portugal no 21.º lugar final. Foi uma atuação fiel à identidade da banda, emocionalmente contida e longe das fórmulas habituais do festival. Uma aposta de integridade artística que como tantas vezes acontece, não se traduziu em pontos mas disse muito sobre o caminho que o país escolheu seguir.

Letra de “Deslocado”, dos NAPA
Conto os dias para mim
Com a mala arrumada
Já quase não cabia
A saudade acumulada
do azul, vejo o jardim
Mesmo por trás da asa
Mãe olha à janela
Que eu ’tou a chegar a casa
Que eu ’tou a chegar a casa
Que eu ’tou a chegar a casa
Que eu ’tou a chegar a casa
Por mais que possa parecer
Eu nunca vou pertencer àquela cidade
O mar de gente, o Sol diferente
O monte de betão não me provoca nada
Não me convoca casa
Porque eu vim de longe
Eu vim do meio do mar
Do coração do oceano
Eu tenho a minha vida inteira
O meu caminho eu faço a pensar em regressar
À minha casa, é ilha, paz, Madeira
Se eu te explicar, palavra a palavra
Nunca vais entender a dor que me cala
A solidão que assombra a hora da partida
Carrego o sossego de poder voltar
Mãe olha à janela que eu ’tou a chegar
Por mais que possa parecer
Eu nunca vou pertencer àquela cidade
O mar de gente, o Sol diferente
O monte de betão não me provoca nada
Não me convo’ ah ah ah ah ah ahh uh uh uh
O mar de gente, o Sol diferente
O monte de betão não me provoca nada
Não me convoca casa
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