A Orquestra de Sopros Musicorum e a Associação Cupio Musicorum preparam-se para subir ao palco do Auditório Vita no próximo dia 17 de outubro, às 21h30, numa iniciativa que promete resgatar a memória musical de Braga. O projeto “Homenagem a Braga – a música Filarmónica ao serviço da cidade” celebra um património esquecido e revela obras dos séculos XIX e XX dedicadas à capital minhota.
A Associação Cupio Musicorum lidera este trabalho de investigação e recuperação de partituras que estiveram décadas guardadas em arquivos de instituições bracarenses – podem ver mais informações sobre o trabalho de pesquisa e resgate aqui neste link. O concerto marca também o lançamento de um CD que documenta este legado musical, numa edição apoiada pela Direção-Geral das Artes e várias entidades locais. A entrada é gratuita, mas requer levantamento prévio de bilhete na bilheteira do Espaço Vita.

Um património musical redescoberto
Durante meses, a equipa da Associação Cupio Musicorum liderada pelo maestro Tiago Brás mergulhou nos espólios de instituições como o Colégio dos Órfãos de São Caetano, a Oficina de São José e os Bombeiros Voluntários de Braga, entre outras. O resultado surpreendeu: dezenas de composições dedicadas à cidade, aos seus monumentos e às suas festividades estavam praticamente desaparecidas do conhecimento público.
Entre as obras recuperadas destaca-se “Braga em Festa”, de Joaquim António de Morais, cuja partitura original tinha paradeiro desconhecido até ser encontrada durante esta investigação. A composição era executada nas festas de São João e tornou-se uma referência da época, segundo testemunhos de antigos músicos bracarenses ainda hoje recordados.
Guilherme da Piedade contribuiu com a suite “Braga”, dividida em quatro andamentos que evocam a paisagem sonora da cidade: os sinos, o passeio ao Bom Jesus do Monte, uma serenata no lago e o regresso à cidade. Esta obra recria tradições dominicais e feriados, quando as famílias visitavam o santuário numa rotina que marcava o ritmo social bracarense.

Compositores que moldaram a identidade musical da cidade
A investigação da Associação Cupio Musicorum revelou também nomes esquecidos mas fundamentais na construção da cultura musical bracarense. João Carlos de Sousa Morais, militar que passou os seus anos de reforma em Braga, escreveu “Homenagem a Braga”, classificada como sinfonia pelos seus quatro andamentos. A complexidade da obra exige virtuosismo técnico, especialmente no último andamento, onde cada naipe instrumental é testado ao limite.
Mesmo anos após a morte de Sousa Morais, em 1919, a sua música continuava a ser executada. Em 1927, a banda do Regimento de Infantaria 8 dedicou-lhe um concerto inteiro no qual “Homenagem a Braga” foi recebida com entusiasmo pelo público.
Raúl Campos, violinista lisboeta que se notabilizou enquanto primeiro violino do Teatro São Carlos, dedicou ao Santuário do Sameiro a “Suite Portuguesa – Nossa Senhora do Sameiro”. Os cinco andamentos percorrem a experiência da romaria, desde a partida até à dança dos convertidos, incorporando elementos do baile minhoto que caracteriza a região.

Hinos que atravessaram gerações
O programa do concerto inclui hinos institucionais que funcionavam como símbolos identitários das comunidades bracarenses. O Hino dos Bombeiros Voluntários de Braga, de autor desconhecido, representa um dos casos mais dramáticos desta recuperação patrimonial. Grande parte do arquivo da corporação perdeu-se num acidente durante uma mudança de instalações, tornando as partituras preservadas no Colégio dos Órfãos de São Caetano ainda mais preciosas.
A Oficina de São José possui dois hinos documentados. O primeiro, anónimo mas datado de março de 1899, traz indicações claras de que deveria ser executado na festa do padroeiro a 19 de março. O segundo foi composto por Joaquim António de Morais em 1921, quando este regeu a banda durante as festividades anuais da instituição.
Guilherme da Piedade assinou o Hino do Sporting Clube de Braga, estreado a 21 de junho de 1926 pela banda do Colégio dos Órfãos de São Caetano no Theatro Circo. Depois de anos praticamente esquecido, o hino voltou a ser ouvido em 1936 graças ao empenho de um oficial da Guarda Nacional Republicana que o ensaiou a tempo de ser apresentado no Estádio 1.º de Maio durante um festival desportivo.
As bandas filarmónicas e a vida urbana
Entre meados do século XIX e a primeira metade do século XX, Braga respirava música. Apenas no termo urbano existiam seis bandas filarmónicas ativas: a Banda do Regimento de Infantaria 8, a Banda de Música do Círculo Católico de Braga (posteriormente conhecida como Banda Comercial), a Banda dos Bombeiros Voluntários, a Philarmonica Bracarense, a Banda de Música da Oficina de São José e a Banda de Música do Colégio dos Órfãos de São Caetano.

No termo rural, a proliferação foi igualmente notável. Surgiram bandas na Graça, em Ruilhe, Arentim, Ruães, Celeirós e Cabreiros. Esta última representa o único grupo que resistiu até aos dias de hoje em todo o concelho, mantendo viva uma tradição que noutras localidades se extinguiu.
Os coretos materializavam esta presença musical na paisagem urbana. O coreto da Avenida Central, projetado em 1866 e construído em 1868, o coreto do Parque da Ponte, inaugurado em 1912 com projeto de Ernesto Korrodi, e o coreto do Bom Jesus, erguido no final da década de 1920, serviam de palco para actuações regulares que animavam a vida social da cidade.
O mistério do Hino de Braga
Entre as controvérsias abordadas pelo projeto destaca-se a história do hino oficial da cidade. Álvaro Carneiro atribuiu a autoria a Joaquim José de Paiva, afirmando que a obra foi oferecida à cidade em 1856 e rapidamente se tornou popular. No entanto, nunca foram encontradas provas documentais desta autoria.
Em 1999, João Duque e Amadeu Torres (sob o pseudónimo Castro Gil) criaram uma letra para o hino, assumindo que esta nunca tinha existido. Mas uma descoberta posterior complicou esta narrativa: João Pires Brás trouxe a público uma partitura antiga para piano, proveniente do espólio do Padre Alberto Brás, intitulada “Hymno A’ Cidade de Braga Augusta”. A partitura contém indicações de “Voz” e “Côro”, sugerindo que existia sim uma letra original.
Rui Ferreira encontrou um poema de João Joaquim d’Almeida Braga que poderia corresponder a essa letra perdida. Porém, ao tentar encaixar o texto na música original, o resultado mostra-se pouco convincente. A questão permanece em aberto e alimenta discussões entre investigadores e músicos.

Um concerto que recupera a memória coletiva
A Orquestra de Sopros Musicorum, sob direção do maestro Tiago Brás, assume a responsabilidade de devolver estas obras ao público. O maestro, que preside à Associação Cupio Musicorum, conduziu a investigação que fundamenta este projeto e estará disponível para entrevistas no dia do evento.
O apoio institucional reflete a amplitude do projeto. Além da Direção-Geral das Artes e da Câmara Municipal de Braga, participam o Sporting Clube de Braga, os Bombeiros Voluntários de Braga, a Oficina São José e o Colégio de São Caetano. Esta rede de parcerias demonstra o reconhecimento da importância deste trabalho de recuperação patrimonial feito pela Associação Cupio Musicorum.
Associação Cupio Musicorum: Preservar para não esquecer
A atividade da Associação Cupio Musicorum, fundada em fevereiro de 2020, estende-se além deste projeto. A organização procura criar oportunidades profissionais e académicas para músicos, promovendo masterclasses, estágios intensivos e workshops. O objetivo passa por facilitar a transição entre o contexto académico e o mercado profissional, construindo redes de contacto que podem abrir portas futuras.
Este concerto e o lançamento do CD representam uma faceta essencial da missão da associação: divulgar o melhor da criação musical portuguesa. Ao resgatar obras esquecidas e apresentá-las com nova vitalidade, a Associação Cupio Musicorum contraria o risco de perda irremediável deste património.
Os interessados em assistir devem dirigir-se à bilheteira do Espaço Vita para levantamento do bilhete gratuito (sujeito à lotação do auditório). Se estiveres por perto, é uma boa oportunidade para fazeres uma viagem no tempo e ouvires temas já esquecidos ou perdidos, que fazem parte da história e passado da cidade de Braga. Para mais informações, visita o website da Associação Cupio Musicorum que deixamos em baixo.
Site oficial: cupiomusicorum.pt | Instagram: @cupiomusicorum
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