Ciclo Suggia celebra violoncelista no Porto

Ciclo Suggia, dedicado a Guilhermina Suggia, no Porto entre Novembro e Dezembro.

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O Porto prepara-se para receber o Ciclo Suggia, quatro concertos dedicados à memória de Guilhermina Suggia, a violoncelista portuense que conquistou palcos internacionais quando poucos o imaginavam possível para uma mulher. Entre 15 de novembro e 7 de dezembro, a Casa do Infante acolhe esta iniciativa que junta música erudita, história e um instrumento com alma própria. Fica um teaser do Ciclo Suggia em baixo.

Um legado que ressoa 140 anos depois

Guilhermina Suggia nasceu em 1885 numa cidade que ainda guardava marcas de um século oitocentista conservador. O pai, Augusto Suggia, deu-lhe as primeiras lições de violoncelo, mas foi a determinação dela que abriu portas onde normalmente estavam fechadas. Aos 18 anos já se apresentava na Gewandhaus de Leipzig como solista, feito inédito para uma mulher naquele contexto. Não foi apenas talento, foi vontade de romper com convenções que diziam que o violoncelo era coisa de homens.

A relação com Pablo Casals, entre 1906 e 1913, consolidou-a entre os grandes nomes do instrumento. Mas Suggia nunca ficou à sombra de ninguém. Construiu carreira própria, tocou em salas de referência por toda a Europa e regressou ao Porto, onde viria a falecer em 1950. Este ano assinalam-se 140 anos do nascimento e 75 da morte, números redondos que justificam a homenagem mas que, na verdade, apenas enquadram aquilo que já merecia celebração permanente.

Ciclo Suggia: Quatro concertos, um instrumento histórico

Vanessa Pires e Filipe Quaresma assumem a direção artística do Ciclo Suggia e convocaram quatro violoncelistas de peso: Irene Lima, Jed Barahal, Mats Lidstrom e Bernardo Ferreira. Cada um deles tocará no Montagnana Suggia, o violoncelo que pertenceu à própria Guilhermina Suggia e que hoje faz parte do espólio do Museu do Porto.

Cartaz Ciclo Suggia
Cartaz Ciclo Suggia, na Casa do Infante (Porto) nos dias 15, 22 e 30 de novembro e 7 de dezembro, às 16h

Este não é um detalhe menor. Tocar o instrumento de Suggia implica responsabilidade e emoção. Não se trata apenas de executar peças musicais, mas de estabelecer contacto físico com um objeto que guarda décadas de sonoridade, técnica e história. O Montagnana é um instrumento do século XVIII, construído por Domenico Montagnana em Veneza, e carrega consigo a memória de incontáveis concertos e ensaios. Quando os músicos apoiam o arco nas cordas, estão também a dialogar com o passado.

Os concertos do Ciclo Suggia acontecem sempre às 16h, em quatro sábados consecutivos ou quase: 15, 22 e 30 de novembro, com fecho a 7 de dezembro. A Casa do Infante, espaço com ligação histórica profunda ao Porto, serve de palco. É um local que respira antiguidade, o que encaixa bem na proposta de revisitar o legado de alguém que viveu e trabalhou noutro tempo, mas cuja obra permanece atual.

Guilhermina Suggia além do mito

Há uma tendência para mitificar figuras do passado, especialmente quando envolvem superação e rutura social. Suggia merece reconhecimento não por ter sido mulher num mundo masculino, embora isso seja factualmente relevante, mas sobretudo pela qualidade artística que demonstrou. As críticas da época são unânimes em destacar a técnica impecável e a musicalidade profunda. Não foi apenas pioneira, foi excelente.

Depois de conquistar Leipzig, continuou a agenda internacional. Tocou em Londres, Paris, Berlim e outras capitais europeias. Os registos fotográficos mostram uma mulher séria, concentrada, com postura imponente ao violoncelo. Há um retrato célebre pintado por Augustus John em 1923 que ajudou a fixar a imagem de Suggia no imaginário coletivo, mas é nos relatos de quem a ouviu tocar que se percebe a dimensão real do talento.

Guilhermina Suggia pintada por Augustus John. Crédito Imagem: Wikipedia
Guilhermina Suggia pintada por Augustus John. Crédito Imagem: Wikipedia

Regressou ao Porto e manteve-se ativa até perto do fim da vida. Não abandonou a música nem recuou para um segundo plano. Continuou a ensinar, a tocar e a inspirar. Quando morreu, em julho de 1950, deixou um testamento artístico que este Ciclo Suggia procura renovar.

Informações práticas

O Ciclo Suggia é organizado pela Artway e pelo Museu e Bibliotecas do Porto, com apoio da Direção-Geral das Artes e parceria institucional da Câmara Municipal do Porto através da Direção Municipal de Cultura e Património. A entrada tem condições a confirmar junto da organização.

Para quem se interessa por música de câmara, violoncelo ou simplesmente pela história cultural portuguesa, o Ciclo Suggia é um programa que merece atenção. Não se trata de uma recriação nostálgica, mas de uma oportunidade para ouvir o instrumento de Suggia nas mãos de intérpretes contemporâneos que conhecem o peso simbólico e sonoro do que estão a tocar.

O ciclo acontece em pleno outono portuense, época em que a cidade se recolhe um pouco e os eventos culturais ganham outra densidade. A Casa do Infante, localizada na Ribeira, é de fácil acesso e tem condições adequadas para este tipo de concerto intimista. Quatro tardes de sábado, quatro músicos, um violoncelo com história. Simples na descrição, denso na execução.

Site Artway: artway.pt | Instagram: @artway_management

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Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro é o fundador do musica.com.pt. Como músico e produtor conta com mais de 25 anos de experiência no mundo da música, tendo participado em projetos como Peeeedro, Moullinex, MAU, entre outros, e tocando em venues como Lux, Maus Hábitos, Plano B, Culturgest, Glasgow School of Arts, entre muitas outras salas e locais em Portugal e no estrangeiro. Compôs música para teatro (Jorge Fraga, Graeme Pulleyn, Teatro Viriato), dança contemporânea (Romulus Neagu, Peter Michael Dietz, Patrick Murys, Teatro Viriato), TV (RTP2) e várias rádios.