Zagüaraz: “Talentos Inúteis” Transforma Inquietação em Som

Zagüaraz. Crédito Fotografia: Bruni Figueiredo

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A dupla paulistana Zagüaraz, formada por Rafael Panegalli e Daniel Brito, lançou a 23 de outubro “Talentos Inúteis”, um EP de seis faixas que traduz frustração geracional em sonoridades densas e distorcidas. O trabalho, gravado no Estúdio Costella sob produção de Alexandre Capilé, marca a estreia oficial do projeto nascido das cinzas dos Disaster Cities e consolida uma abordagem musical que recusa etiquetas fáceis, navegando entre industrial rock, hard rock e post-hardcore com letras cantadas em português. Dos 3 temas que já contam com vídeo, deixamos “Eu & Vc” em baixo.

Anatomia de “Talentos Inúteis”

O primeiro single escolhido pelos Zagüaraz para apresentar “Talentos Inúteis” ao público estabelece imediatamente a temática central do trabalho. “Panorama” disseca a hierarquia temporal que rege as sociedades contemporâneas, questionando por que motivo certas existências parecem merecer mais consideração que outras. A faixa funciona simultaneamente como denúncia e grito de resistência, recusando a resignação perante estruturas desumanas.

“Eu & Vc” mantém a mesma intensidade sonora, explorando o território comum entre indivíduos esmagados por expectativas sociais contraditórias. A composição desconstrói a farsa da resiliência obrigatória, expondo o absurdo de sorrir enquanto se sufoca em ansiedade e frustração colectiva. Entre referências à performatividade das redes sociais e ao isolamento em meio à multidão, a faixa culmina num grito desesperado: como romper ciclos que parecem inescapáveis? A questão fica suspensa, sem respostas fáceis, reflectindo a própria impotência que a banda denuncia.

“Talentos Inúteis” funciona como documento de uma geração esgotada mas teimosa na persistência. Cada uma das seis faixas incendiárias aborda facetas distintas da mesma inquietação estrutural: a frustração de existir dentro de sistemas que esvaziam significado, a repetição mecânica do quotidiano, a ansiedade permanente que atravessa a experiência contemporânea. Os Zagüaraz não escondem a carga autobiográfica.

Zagüaraz, capa do EP "Talentos Inúteis"
Zagüaraz, capa do EP “Talentos Inúteis”

É um disco cheio de sinceridade, com muito da vivência da dupla e uma carga emocional intensa, quase como uma forma de colocar para fora tudo o que estava guardado nos últimos anos“, assumem os Zagüaraz

Mas essa dimensão pessoal transcende o confessional puro, funcionando como espelho de inquietações partilhadas por muitos que navegam entre cansaço e tentativa de encontrar formas viáveis de existir.

O EP materializa-se através de arranjos construídos a quatro mãos, onde colaboração substitui hierarquias. A pré-produção decorreu no Doca Multiverso com Paula Ratkiewicz (Pow), figura fundamental na organização conceptual das ideias. Em novembro de 2024, as sessões de gravação no Estúdio Costella consolidaram uma sonoridade que evoca Nine Inch Nails e Death From Above 1979, filtrada por uma urgência visceral próxima de Tigercub, The Virginmarys e Royal Blood. Podes ver o vídeo de “Panorama” em baixo.

Alinhamento do EP “Talentos Inúteis” de Zagüaraz

  1. Flores na Antártida
  2. Panorama
  3. Formata Minha Memória
  4. Problemas Brancos
  5. Talentos Inúteis
  6. Eu & Vc

Informação Técnica

Formato: EP com 6 faixas
Data de Lançamento: 23 de outubro de 2025
Estúdio: Estúdio Costella
Produção: Alexandre Capilé
Pré-produção: Paula Ratkiewicz (Pow) – Doca Multiverso
Disponibilidade: Plataformas digitais

Das Cinzas dos Disaster Cities ao Renascimento Sonoro

Quando os Disaster Cities encerrou atividades, Rafael Panegalli e Daniel Brito viram-se perante um vazio criativo que rapidamente se transformou em oportunidade. Os dois músicos, que já partilhavam palco e afinidades estéticas, iniciaram ensaios exploratórios sem grandes pretensões. O formato duo revelou-se orgânico, prescindindo da necessidade de expandir a formação.

“Começámos a trocar ideias, ensaiar, experimentar som e letra até entender que aquilo já era um novo projeto”, explicam os Zagüaraz.

O processo criativo desenrolou-se sem pressões temporais, permitindo que experiências pessoais e pausas necessárias moldassem o teor das composições. A opção por compor em português surgiu como desafio estimulante, afastando-se da zona de conforto estabelecida em projetos anteriores.

Zagüaraz. Crédito Fotografia: Bruni Figueiredo
Zagüaraz. Crédito Fotografia: Bruni Figueiredo

A escolha estética dos Zagüaraz não surge por acaso. As camadas densas de distorção, as melodias sombrias e os arranjos pesados servem a mensagem: não há espaço para suavizar o desconforto. O duo recusa o escapismo fácil, preferindo confrontar diretamente o incómodo através de uma sonoridade que não pede licença para ocupar espaço.

O trabalho beneficia de anos de estrada acumulados em projetos anteriores. Essa maturidade criativa transparece nas decisões de produção e na coesão narrativa do EP. Apesar de ser a primeira publicação oficial dos Zagüaraz, “Talentos Inúteis” soa a terceiro ou quarto álbum de uma banda estabelecida, evitando hesitações típicas de estreias.

Honestidade Sonora Sem Concessões

“Talentos Inúteis” estabelece os Zagüaraz como uma proposta bastante relevante na cena rock brasileira, recusando fórmulas seguras em favor de honestidade brutal. O EP “Talentos Inúteis” funciona simultaneamente como catarse pessoal e retrato geracional, transformando desgaste acumulado em matéria prima artística. Rafael Panegalli e Daniel Brito demonstram que é possível construir sonoridades densas e liricamente consistentes em português, dialogando com referências internacionais sem perder identidade própria.

As seis faixas funcionam como manifesto de resistência: contra estruturas que esvaziam sentido, contra a desvalorização sistemática de certas existências, contra a tentação de desistir perante o cansaço. Os Zagüaraz escolheram transformar incómodo em som, provando que ainda há espaço para quem se recusa a calar. “Talentos Inúteis” já se encontra disponível em todas as plataformas digitais do costume, não percas! Recomendamos vivamente.

Instagram: @zaguaraz

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Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro é o fundador do musica.com.pt. Como músico e produtor conta com mais de 25 anos de experiência no mundo da música, tendo participado em projetos como Peeeedro, Moullinex, MAU, entre outros, e tocando em venues como Lux, Maus Hábitos, Plano B, Culturgest, Glasgow School of Arts, entre muitas outras salas e locais em Portugal e no estrangeiro. Compôs música para teatro (Jorge Fraga, Graeme Pulleyn, Teatro Viriato), dança contemporânea (Romulus Neagu, Peter Michael Dietz, Patrick Murys, Teatro Viriato), TV (RTP2) e várias rádios.