O álbum de estreia dos Montanha, “Alvorada”, chega agora às plataformas digitais e em edição vinil através da Favela Discos, trazendo consigo o peso de anos de experimentação silenciosa, gravações noturnas e janelas abertas para a cidade do Porto, onde todo o burburinho de fundo serve como inspiração e musa para a criação deste disco.
“Vice City”, o single de apresentação lançado em setembro com videoclipe, abre o disco com guitarras encharcadas em distorções cruas e tape delay, elementos ritmicos que nos lembram o tic-tac de um relógio acelerado, e com linhas de baixo e lead synth a dançarem entre estes elementos. Sente-se aquela tranquilidade das 5-6 da manhã quando já se pode ver alguma claridade, mas o sol ainda não nasceu. Podes ver o video de “Vice City” dos Montanha em baixo:
“Alvorada”
“Alvorada” resulta de uma seleção cirúrgica feita pelos Montanha sobre dezenas de horas de gravações acumuladas entre 2017 e 2019 no Spoiler Room, no Porto. O quarteto registou, improvisou, repetiu, descartou. Depois voltou atrás. O que sobrou foi montado como quem edita um filme, cortando, justapondo, alterando o sentido original dos takes. Três álbuns podem ainda sair deste material. Este é apenas o primeiro.
Cada tema funciona como uma paragem numa viagem sem destino claro, mas extremamente consistente e em contra-relógio. Sente-se a urgência. “Decomur” constrói espaços liminares onde sintetizadores dialogam sobre um drone de guitarra espesso. “Corno Tigre” caminha numa cadência dissonante e trôpega, como quem sai de um bar ao fim da noite sem saber bem para onde vai.
“Cantarinha” e “Firmamento” mergulham na introspeção, enquanto “Ocaso”, a última faixa, dissolve tudo num drone ambiente e riffs de guitarra que nos fazem ver o sol nascer e depois embalam para o tão merecido descanso. Há ainda duas versões oníricas: “Vice Dream” e “Crepe Dream”, que retrabalham temas anteriores como se fossem sonhos dos próprios originais.
Fica “Corno Tigre” dos Montanha em baixo.
Como referido anteriormente, grande parte das gravações dos Montanha aconteceram em horas noturnas e tardias, muitas vezes até o amanhecer, fazendo com que a escolha do título não seja casual, e onde a paz e melancolia da madrugada respiram neste álbum. As janelas abertas deixavam entrar ruído urbano, vozes distantes e o zumbido da cidade adormecida. Esse ambiente infiltrou-se nas faixas e nos seus intérpretes, conferindo-lhes uma textura particular, como se o Porto noturno fosse um músico invisível na sala.
E existem bastantes referências ritmicas à passagem do tempo, não só em “Vice City” mas em outros temas como “Corno Tigre”, através da presença de samples ou batidas que nos remetem ao tic-tac incessante de relógios. Os Montanha querem-nos acompanhar desde o “lusco fusco” até ao nascer do sol, onde finalmente podemos repousar.

Montanha: Percursos cruzados dentro da Favela Discos
Formados em 2010 por André Gomes, João Sarnadas, Nuno Oliveira e Tito Silva, todos membros ativos da constelação Favela Discos, os Montanha começaram numa estética mais próxima do rock psicadélico universitário. Lançaram um EP homónimo em 2013, depois desapareceram. O que regressou, anos mais tarde, já não era a mesma banda. A guitarra continua lá, mas submersa. O que emerge é outra coisa: sintetizadores, samplers, drum machines, e uma vontade de deixar que o acaso participe da composição tanto quanto os instrumentos.
Os quatro elementos dos Montanha trazem experiências diversas que se cruzam neste projeto. André Gomes, arquiteto de formação, integra também os Batsaykhan e edita material sob o pseudónimo Gormes. João Sarnadas é o rosto por trás do Coelho Radioactivo e fundador de projetos como Flamingos, José Pinhal Post-Mortem Experience e Well. João Tito Silva, músico transdisciplinar com formação clássica em percussão, fundou a orquestra de improvisação Milteto e participa em múltiplas iniciativas ligadas à Favela Records. Nuno Oliveira, para além de músico, é também artista gráfico responsável por parte da identidade visual de vários lançamentos do coletivo.

Essa multiplicidade de papéis e referências cria uma linguagem coesa, onde a improvisação nunca é aleatória e a experimentação nunca perde o fio à canção.
A abordagem reflete a filosofia do coletivo que os acolhe. A Favela Discos, ativa desde 2013, opera numa lógica de total liberdade criativa, sem hierarquias nem agendas comerciais. Mais de 60 edições em vários formatos, eventos, residências artísticas e colaborações transdisciplinares definem o seu percurso. No caso dos Montanha, essa liberdade traduziu-se numa redefinição radical do próprio processo criativo.
Edição física e digital
O vinil de “Alvorada” foi prensado pela Record Industry nos Países Baixos e impresso em Portugal pela Maiadouro. A capa é de Juliana Campos, o design de Rita Laranja. A masterização ficou a cargo de Rafael Silva no C.C. STOP. Tudo isto reflete o cuidado artesanal que a Favela Discos mantém em cada edição, tratando o objeto físico como parte integrante da obra.
O disco encontra-se disponível em vinil e em todas as plataformas de streaming. Para quem acompanha o underground português, este é um dos lançamentos mais relevantes do ano. Para quem não conhece os Montanha, é uma porta de entrada num universo sonoro que não se encaixa facilmente em categorias, e talvez seja essa a sua maior virtude. Não percas este lançamento!
Instagram: @montanha.band | Facebook: @montanha.cosmica
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