Luster faz das tripas coração em “Destrambelhado”

Luster, músico e produtor nascido em Vila Nova de Gaia, acaba de lançar “Destrambelhado“, o seu primeiro álbum a solo. Cinco anos de trabalho condensados num disco que não tem medo de mostrar as feridas, celebrar as conquistas e questionar o establishment.

Sou do Portosurge como primeiro single e cartão de visita deste novo capítulo. Produzida por Meireles, da Caixa Cartão Collective, a faixa é muito mais que uma declaração geográfica. Funciona como manifesto de identidade, onde as pedras da Invicta ganham vida através de rimas que misturam orgulho bairrista com crítica social afiada.

O próprio Luster explica que ser do Porto “também é um ato de revolta contra o centralismo e a desigualdade social“, transformando geografia em política, tradição em resistência. Como diz, “Tripeiro é mal visto até de fato“.

“Destrambelhado”

A construção sonora do álbum revela um artista maduro, que não se limita a seguir tendências. Com produção maioritariamente sua, Luster contou com colaborações pontuais mas certeiras: Boy Rodo dos 5DM, Vilas Boas do 2º Piso, e a participação de nomes como Anta.Wav, Free Thirty e SPVSR. O resultado é um mosaico onde hip-hop, dub e jazz se entrelaçam de forma orgânica, nunca forçada.

Há algo de profundamente honesto e bem disposto na abordagem de Luster. Os três primeiros temas funcionam como escavação arqueológica da própria história: família, memórias, crenças que moldaram o homem antes do artista. É só depois desta introspecção inicial que o álbum se permite olhar para fora, retratando o Porto contemporâneo através de olhos que conhecem cada esquina, cada história não contada.

A relação com substâncias psicotrópicas aparece sem filtros nem moralismos baratos. “Abro ainda mais a cortina, como essa relação molda a minha realidade e pensamento“, confessa o artista, numa transparência rara no cenário musical português. Não há glamourização nem demonização, apenas a honestidade crua de quem entende que certas experiências fazem parte do processo criativo e humano.

Luster, capa do álbum "Destrambelhado". Crédito Artwork: Joana Militão
Luster, capa do álbum “Destrambelhado”. Crédito Artwork: Joana Militão

Do Clássico ao Urbano

O percurso musical de Luster começou cedo, aos cinco anos, com a guitarra clássica. Quinze anos de formação formal antecederam a descoberta autodidata de outros instrumentos: baixo, piano, bateria. Esta versatilidade instrumental transparece no álbum, onde cada arranjo revela camadas de complexidade que só um verdadeiro conhecedor da música consegue construir.

A mistura e masterização ficaram a cargo de D One, garantindo que cada elemento sonoro respire no espaço adequado. O saxofone de David Mourão adiciona texturas jazzísticas que elevam certas passagens a momentos quase cinematográficos, enquanto DJ Score, nos cortes finais de “Sou do Porto“, lembra que o hip-hop continua a ser uma cultura de samples e recontextualizações.

Destrambelhado” não é apenas um título, é uma filosofia estética. Luster assume a imperfeição como força motriz, o “trapalhão na forma” que nunca compromete a clareza da mensagem. Esta aparente desorganização revela-se estratégica, espelhando a própria natureza caótica da vida urbana que o álbum retrata.

Luster, "Sou do Porto"
Luster, “Sou do Porto”

Hip-Hop com Substância

O timing do lançamento não podia ser mais apropriado, é um banger perfeito para o mês de agosto apesar de tantas festas e festivais. Luster apresenta uma proposta que foge aos clichés do género. Não procura o hit fácil nem a provocação gratuita. Prefere a construção de narrativas que resistam ao teste do tempo, canções que ganhem novas camadas a cada audição.

A ligação às origens nunca é nostálgica. Luster usa Gaia e Porto como laboratório sociológico, transformando observação quotidiana em comentário social. As referências ao reggae, jazz e gospel não surgem como name-dropping cultural, mas como ferramentas genuínas ao serviço de uma visão artística coerente.

Destrambelhado” posiciona Luster como uma das vozes mais interessantes da nova geração do hip-hop português. Longe dos excessos performativos que dominam o género, este álbum aposta na substância, na construção cuidada de um universo sonoro e lírico que reflete tanto o indivíduo como a comunidade que o formou.

O álbum está disponível em todas as plataformas digitais, convidando os ouvintes a uma viagem sonora que promete recompensar tanto a audição casual como a análise mais detalhada. Luster chegou para ficar, e “Destrambelhado” é a prova de que o hip-hop português tem ainda muito para dizer. Não te esqueças de seguir o Luster no Instagram, @lusterinnadiplace.

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Pedro Ribeiro
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Pedro Ribeiro

Pedro Ribeiro é o fundador do musica.com.pt. Como músico e produtor conta com mais de 25 anos de experiência no mundo da música, tendo participado em projetos como Peeeedro, Moullinex, MAU, entre outros, e tocando em venues como Lux, Maus Hábitos, Plano B, Culturgest, Glasgow School of Arts, entre muitas outras salas e locais em Portugal e no estrangeiro. Compôs música para teatro (Jorge Fraga, Graeme Pulleyn, Teatro Viriato), dança contemporânea (Romulus Neagu, Peter Michael Dietz, Patrick Murys, Teatro Viriato), TV (RTP2) e várias rádios.